quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ajuricaba - o herói e guerreiro manaú

"Invoco aqui a voz da tradição. Ouçam! Ela sussurra nas folhagens da palmeira inajá e marulha no igarapé escuro. Ouçam! É ela quem murmura que tudo o que acontece neste nosso mundo um dia será esquecido. Ouçam, meus amigos: o esquecimento vem aos poucos. E antes que sobre nós o esquecimento estenda o seu paneiro do "já não lembro", do "já não me recordo", do "já não sei mais como foi", levantemos nossos olhos de nossas pequenas coisas e observemos a fumaça da fogueira. E pela fumaça regressemos ao passado, viajantes que somos da fumaça dos tempos. Ouçam, é a fumaça que segreda que tudo isso aconteceu há muitos anos e numa terra muito distante. Rápido, antes que seja tarde, pois já não mais sabemos como as gentes que viviam ali chamavam aquele rio de águas negras que nunca se misturam com as águas barrentas do rio máximo, nem como chamavam aquela terra de florestas sombrias e árvores que cresciam até as estrelas" - Márcio Souza em A Luta de cada um - Ajuricaba: O caudilho das selvas.

Assim começa o livro que me foi indicado pela colega do NINA, Thais Peres. Ele conta a história de Ajuricaba, um líder guerreiro da nação dos manaús que resistiu bravamente à escravidão dos índios pelos colonizadores portugueses na região da Amazônia.

Ajuricaba é derivado de aiuricaua do nheengatu: aiuri significa reunido; caua significa marimbondos de ferroadas dolorosas. No tempo em que Ajuricaba viveu por aqui, o Amazonas pertencia ao Estado do Grão-Pará e Rio Negro, fundado em 1621 com o objetivo de melhorar o contato da região com sua metrópole, além de incentivar a coleta das “drogas do sertão” (como a canela, a baunilha, o cravo, o urucu e o cacau), o cultivo da cana, algodão, café e do cacau, além da vinda de colonos.


Sertanistas, religiosos, tropas de resgate, tropas de guerra, contratadas para vencer a resistência dos índios ou escravizá-los, subiam e desciam rios, montando feitorias, explorando a floresta, pescando, num esforço que resultaria mais tarde em uma ocupação efetiva da região.

Os manaús sempre apresentaram grande resistência aos portugueses, mas em 1675, a jovem filha do taxuana (cacique) Caboquena, se enamora por um sargento português e, fugindo aos costumes da tribo, a jovem foge para se casar (o que o amor não faz não é mesmo?). Isto força os manaús a se aldearem em torno do forte de São José da Barra do rio Negro (futura Manaus) e a estabelecerem um pacto de não agressão aos colonizadores. Mas as núpcias não impediram que os portugueses continuassem a perseguir os índios de outros grupos na ganância e ânsia de mais controle e poder na região.

Com a morte do taxuana Caboquena em 1700, assume seu filho mais velho, Huiebene. Corrupto, inteiramente corrompido por manter relações estreitas com a administração colonial, este taxuana liderou os manaús por 2 décadas sob cuidadosa tutela dos portugueses. Ajuricaba era um dos numerosos filhos de Huiebene. Porém era um menino impulsivo, teimoso que apesar de aprender a ler e falar português se recusava a fazê-lo. Era exímio em diversos idiomas do rio Negro como o tariana, o baré, o baniwa e o nheengatu, a boa língua que servia de idioma comum a quase todos os povos.

Em 1718, Ajuricaba começa a entrar em choque com o pai, pois o mesmo não seguia os costumes antigos. Em 1722, as relações entre pai e filho são rompidas definitivamente, após Huiebene firmar com os portugueses uma aliança, participando de hostilidades contra os ingleses e os franceses ao norte, além de obrigar os guerreiros manaús a companharem tropas de preadores na captura de índios para serem escravizados em Belém.  


Porém Huiebene descobre que os portugueses mantinham prisoneiros vários índios de tribos que não podiam ser tocadas, segundo termos da aliança que ele havia estabelecido. Após uma vasta discussão, o taxuana é assassinado, junto com alguns guerreiros manaús que o acompanhavam em um acampamento de preadores. Ajuricaba, ao ser informado da tragédia, retorna à maloca manaú e assume a liderança. Começa assim oito anos de intensas disputas e guerras entre os invasores portugueses e os guerreiros manaús.

Ajuricaba ocupa o rio Negro e ataca todas as povoações portuguesas, entre 1722 e 1727, tornando muito difícil a vida dos colonizadores. Nenhuma embarcação portuguesa conseguia navegar as águas do rio Negro, ou do rio Vaupés, ou do rio Içana, sem sofrer ataques dos manaús em canoas rápidas.

Porém, em 1728, os portugueses resolveram responder com tropas de soldados armados até os dentes (com bombas e fuzis).  Eles entravam pelo rio Urubu e subiam o rio queimando e massacrando todas as populações  que porventura apoiavam Ajuricaba. Chegaram a fuzilar até vilarejos domesticados de missão carmelita!!!!Traziam consigo também uma boa aliada: doenças como a gripe, varíola, sarampo e doenças venéreas. Ao final de todo este embate, mais de 40.000 índios das mais diversas etnias haviam desaparecido, considerando ainda a completa dispersão e extinção dos próprios manaús.

Em 1728, quando estava com 27 anos, Ajuricaba foi feito prisioneiro no final de agosto, junto com 7 de seus generais, além de 300 guerreiros manaús feridos. Durante a sua transferência para Belém, onde seria possive4lmente degredado ou feito escravo, Ajuricaba atirou-se à água, mesmo preso aos ferros, preferindo suicidar-se do que se submeter aos invasores colonizador.

Nasce assim, o herói número um da mais vasta região do Brasil - símbolo e afirmação da resistência dos povos indígenas.

Para saber mais:
http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/202935/ajuricaba-o-caudilho-das-selvas-col-a-luta-de-cada-um

2 comentários:

  1. Vale alguns esclarecimentos que os meus colegas cientistas sociais do NINA fizeram na sexta-feira:
    -a questão da "escravidão" de algumas etnias entre os próprios índios era comum. Existia alguma hierarquia entre etnias e eram comum, os índios manterem outros indios como "prisioneiros". Neste caso não entenda, prisioneiro com o significado da palavra hoje - sem liberdade, acorrentado e espancado. Os índios que entravam em disputas ou guerras, entram todos como guerreiros. Os perdedores não podem mais ser chamados de guerreiros e os mais fracos acabam se rendendo aos índios que ganharam a batalha. Trabalham para eles e sua etnia, mas em momento algum são presos, podendo fugir se quiserem. A questão é que não o fazem pois não são mais dignos. Os perdedores mais bravos/corajosos são (muitas vezes, dependendo da etnia) comidos pelos campeõeos para que sua coragem seja absorvida.
    - nheengatu - é uma língua artificial que se originou a partir do século XVII no Pará e Maranhão, como lingua criada pelos jesuítas portugueses a partir do vocabulário e pronúncia tupinambás. É uma mistura de tupi-guarani e português e serviu para auxiliar na comunicação e catequização dos índios. Deriva de ie’engatu, que significa "língua boa".

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  2. Nheengatu nunca foi língua artificial. Os jesuítas não a criaram, mas a prenderam cos indígenas para seu projeto. Nisto a colocaram no papel, motivo que hoje pensa-se que eles a criaram.

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